Dom José Francisco Rezende Dias
Arcebispo de Niterói (RJ)
Arcebispo de Niterói (RJ)
Soube de uma senhora, ainda jovem, que narrou a força que fizera pra
levar o marido à Missa, homem duro, de vontade de ferro e coração de
pedra. Demorou. Mas, um dia, ele foi. Era perto do Natal, nada mais
natural. Sentou-se sério, ouvido atento. O que ela não esperava é que,
justo naquele dia, fosse lida a genealogia de Jesus: “Abraão gerou
Isaac, Isaac gerou Jacó, Jacó gerou Judá...” três vezes: quatorze
gerações. Ela se encolheu no banco e pensou: É o fim! No caminho de
volta, silêncio total. Assim que entrou, ela pediu desculpas. Seria
melhor outro texto, mais saboroso... Qual não foi a sua surpresa, quando
o marido lhe confiou que nunca mais faltaria à Missa. E completou:
Aquela não é a minha família? Não posso ficar fora dela!
Hoje quero falar dos homens dessa família. Na semana que vem, as
mulheres. Adão é o primeiro homem: o homem mítico, o homem-criança.
Preso a um jardim-de-infância, precisou romper com o lado infantil. Mas,
ao fazer isso, como todos os homens-crianças acabam fazendo, rompeu
também com a figura paterna, estancou a fonte, quebrou a harmonia. E se
tornou um homem com mágoa do pai. E homens com mágoa paterna sempre têm
problemas com autoridade.
Abraão é o peregrino que parte para chegar a si mesmo, e, para isso,
precisa romper todas as dependências e apegos. “Sai da tua terra e
vai...” (Gn 12,1). Enquanto Adão rompeu com Deus para buscar a
liberdade, Abraão se uniu ainda mais a Ele, justamente, para buscar
construir-se. Para onde vamos? Sempre para casa. Tudo o que começou com
Adão, recomeça com Abraão. Quem sabe agora dê certo? Parece ser sempre
essa a expectativa de Deus.
Isaac sequer mudou de nome. Ele vai permanecer no papel de vítima onde
foi colocado pelo pai. Será enganado por Rebeca. Contudo, enquanto
vítima, foi também algoz. Cego, ele prefere Jacó e fere Esaú. Sara já
havia pressionado Abraão a repudiar Ismael, o filho da escrava. Isaac
revê o drama se repetindo ali: irmãos que não se entendem, Esaú pronto a
matar Jacó. Assuntos não resolvidos sempre se repetirão.
E Jacó? Esse foi o “filhinho da mamãe”. Por ele, Rebeca enganou o marido
e perdeu o outro filho. Jacó teve de fugir para reconstruir a vida em
outro lugar. Será enganado pelo sogro que lhe dará Lia no lugar de
Raquel. Sempre as mesmas questões e as mesmas repetições. No final, Jacó
terá de enfrentar o irmão Esaú. Só então receberá a bênção que um dia
roubou. Quando, no fim da história, os dois irmãos se encontrarem e se
reconciliarem, Jacó dirá a Esaú: “Vim à tua presença como se vem à
presença de Deus...” (Gn 33,10). Fecha-se o ciclo. Nenhuma mentira mais.
Nada a esconder.
Viram como é sempre a mesma história: um pai, uma mãe, irmãos, disputas e
repetições. Tudo simples. Sem Deus, nada fácil! Eu também vim à sua
presença como se vai à presença de Deus.
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