Dom José Francisco Rezende Dias
Arcebispo de Niterói (RJ)
Arcebispo de Niterói (RJ)
“Têmpera... Mulheres têm é têmpera, pura energia e têmpera, pura magia e
têmpera, temperatura e paixão. É que as mulheres sempre são, sempre
serão, a chave do seu tempo, o charme de uma etapa, o tapa na
acomodação, o vírus da alegria o amor e o nó da solidão...” (Têmpera –
Gonzaguinha).
Não é de hoje que a arte alcança o que de outra forma seria perdido.
Precisei pedir licença à arte para apresentar hoje duas mulheres que, na
Bíblia, mostraram sua têmpera: a capacidade de aumentar a rigidez e
suportar os abalos da vida. Os homens têm força, mas as mulheres têm
resistência: são capazes de passar a noite velando o filho doente e
enfrentarem o dia seguinte – maquiadas, prontas e lindas – como se nada
houvesse acontecido.
Eva é a mãe. “Adão chamou sua mulher Eva, porque era a mãe de todos os
viventes” (Gn 3,20). A História tatuou em Eva a cicatriz da sedutora. No
entanto, a verdadeira afirmação da Bíblia é a de Eva ser a mãe de todos
os viventes. E registre o fato dessa afirmação ter sido feita depois do
relato da queda. Nem a queda tirou de Eva o lugar da maternidade: ela é
a mãe da vida, ela tem vida, ela serve à vida.
Cabe à mulher a maior de todas as tarefas: a de apresentar à criança o
sentido básico da afirmação da vida. “Que bom que você está aqui!”
Enquanto afirmação da vida, a maternidade é consequente afirmação da
bondade do mundo. É bom viver aqui. O mundo deve ser o espaço em que
estamos seguros, somos bem-vindos e devemos estar. Desde o início, mãe e
criação estão ligadas.
Outro lado do feminino, o lado mais triste, se refere ao abandono. A
literatura está repleta de casos de abandono. Antigamente, as guerras
eram o principal motivo do abandono. Hoje, são as guerras familiares. No
Primeiro Testamento, Agar foi abandonada. Sara, esposa de Abraão era
estéril. Conforme os costumes da época, ela oferece ao marido a sua
escrava Agar para lhe dar um filho. Mas Agar, assim que fica grávida,
começa a espicaçar sua patroa. E Sara não suporta a dupla humilhação.
Convém aqui destacar um aspecto negativo que, às vezes, aparece no
feminino: a inveja. Sara é invejosa. Não suporta a gravidez de Agar.
Muitas mulheres não suportam que outras vivam o que elas mesmas se
proibiram de viver ou o que não é possível para elas. Ao invés de se
alegrarem diante da força de outra mulher, elas acabam combatendo-as. O
antídoto do veneno de Sara será o contentamento de Isabel ante a
gravidez de Maria. Até o menino se mexeu dentro dela!
Um anjo
garante a Agar que se ela voltar, seu filho também terá prodigiosa
descendência. Deus ouviu você, Agar (Gn 16,11). Agar, agora, carrega uma
promessa. Sabe que é vista por Deus em sua grandeza, e que ninguém
poderá tirar isso dela. Ela carrega algo divino, e o mundo não tem mais
poder sobre ela.
Meu espaço só me permitiu falar dessas duas mulheres
bíblicas. São tantas! Mas aí está o essencial: Deus jamais abandonará
você. Jamais abandonou alguém.